Thursday 20 May 2010

CABANO - Resgatar a palavra e reviver seus ideais

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As buscas atuais pelos fundamentos da Cabanagem serão ainda mais interessantes se não ficarem apenas restritas aos ambientes muitas vezes frios da pesquisa, mas que os resultados dessas pesquisas se espraiem no seio da juventude. E que isso faça com que a palavra Cabano deixe de ser tão somente coisa do passado, mas que esta palavra faça renascer os seus ideais, que se torne uma palavra viva, presente, atuante.

Neste maio de 2010 está fazendo um ano que eu e o também jornalista Celivaldo Carneiro, da Gazeta de Santarém, estivemos pela segunda vez em Cuipiranga, na baía Tapajós-Arapiuns, em frente a Alter do Chão, município de Santarém, para checar dados da reportagem que fizemos e publicamos num encarte de 28 páginas, no dia 22 de junho do ano passado.(Quem ainda não viu esta edição que saiu em papel, pode lê-la no computador. Basta clicar no link próprio, na cara deste blog onde estão Meus Links, belo trabalho de digitalização do jornalista Jeso Carneiro).

Foi um trabalho de fôlego, memorável e gratificante tanto pelos resultados que obtivemos como pela pouca repercussão que obteve sobretudo junto a historiadores da região. Alguns, até hoje, não mandaram a mensagem de crítica prometida. Se houve silêncio, é porque mexeu com noções erradas e longamente arraigadas no imaginário coletivo e, pior, no imaginário intelectual que se reflete nos livros, sobretudo escolares.

Ainda bem que há historiadores neste momento impulsionando algumas revisões da Guerra Amazônica. Assim como é com satisfação que vemos o trabalho do jornalista paraense Sérgio Gusmão, buscando explicações por via da semântica, pela pesquisa dos sentidos do nome Cabano, que prefiro escrever com maiúscula.

Para mim, como jornalista, o interesse em tocar na Cabanagem, como já fiz também na minha dissertação de mestrado que virou o livro “O Pará Dividido”, não é o mesmo do historiador. Meu desejo é que aquele rico momento amazônico seja relembrado de outra forma, que, em vez de “desordeiros”, os Cabanos sejam vistos como precursores de novas realidades, de uma sociedade inteiramente diferente daquela de há 200 anos. A velha sociedade que, no entanto, persiste, que está aí, em 2010, nos seus elementos essenciais, em que para uns são abertas todas as portas, que se fecham para a maioria dos que trabalham.

ORIGEM

De onde veio a palavra Cabano? O senso comum e os livrinhos de história que tristemente circulam pelas nossas escolas fundamentais repetem que a palavra deriva do fato de os bravos guerreiros morarem em cabanas. Não foi só isso, como explica o grande jornalista paraense Sérgio Buarque de Gusmão, vivendo em São Paulo há 40 anos. Tratava-se de uma palavra inventada pelos adversários dos revoltosos, no sentido de desclassificá-los. Uma palavra que, ao longo da história, ganhou outros significados, negativa para os eternos inimigos do povo e positiva para aqueles que vão aos poucos descobrindo o verdadeiro significado daquela guerra.

Em artigo publicado por Elias Ribeiro Pinto, na sua coluna dominical no caderno Você, do Diário do Pará, Gusmão oferece a medida das denominações historicamente dadas a grupos subalternos, guerreiros que perderam a guerra, aos vencidos, enfim. É a velha história do discurso construído pelo vencedor, cabendo a este o poder de classificar e nomear os derrotados.

É por isso que as palavras não são inocentes. Tanto que, como relembra Gusmão no seu artigo, o Barão de Guajará, o primeiro a sistematizar o conhecimento da Cabanagem, preferir categorizar os guerreiros como desordeiros, bêbados, e coisas do gênero, tal como diz hoje a classe dominante a respeito dos pobres, dos que não têm diploma nem universitário nem diploma nenhum.

O Barão, ou Domingos Antonio Raiol diz que seu pai foi morto pelos revoltosos na vila da Vigia. Mas suas posições ideológicas independem da dor pessoal. Também há alguns pontos positivos no trabalho de Raiol quando ele escreve que, ao final, no momento da brutal repressão, ele não saberia dizer quem teria sido mais cruel, se as forças militares do governo ou os Cabanos.

Com uma diferença que o Barão Raiol não cita e nem poderia citar, dada sua posição ideológica: é que a crueldade explosiva dos Cabanos teve como origem a crueldade sistêmica, estrutural da sociedade paraense do período ao redor da Independência. A mais absoluta exclusão e o mais absoluto desrespeito dos brancos contra os não brancos, ou seja, os detentores do poder simplesmente desconheciam os pobres (pobres não, os miseráveis absolutos) de então como gente, colocando a povo inteiro na categoria de animais dignos da pior repulsa. Foi essa violência estrutural que motivou a multidão à violência revolucionária.

As buscas atuais pelos fundamentos motivadores da Cabanagem serão ainda mais interessantes se não ficarem apenas restritas aos ambientes muitas vezes frios da pesquisa, mas que os resultados dessas pesquisas se espraiem no seio da juventude. E que isso faça com que a palavra Cabano deixe de ser tão somente coisa do passado, mas que esta palavra faça renascer os seus ideais, que se torne uma palavra viva, presente, atuante.

Post scriptum: Sugiro a quem desejar se informar sobre a Cabanagem uma primeira leitura do livro de PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto. Visões da Cabanagem. Manaus: Editora Valer, 2001; em seguida, do extenso trabalho de RAIOL, Domingos Antônio. Motins políticos ou história dos principais acontecimentos políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835. Belém: UFPA, 1970, reedição; e de DI PAOLO, Pasquale. Cabanagem: a revolução popular da Amazônia. Belém: Cejup, 1990, 3. ed. A partir destas três obras, o iniciante pode prosseguir o caminho de antigas e novas buscas sobre a Cabanagem.

O trabalho de Raiol, para iniciantes, deve ser uma leitura avisada pois, embora obra essencial, é produto de uma visão do vencedor. O livro do amazonense Luís Pinheiro é uma revisão bibliográfica comentada das últimas pesquisas e publicações de revisão daquela guerra. Di Paolo dá uma visão própria ao acontecimento, em trabalho de grande valor.

Por Manuel Dutra

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